Tuesday, 18 July 2017

Do convívio com os vizinhos


Gosto muito dos meus vizinhos. Não chateiam, não se metem na minha vida, são discretos, estão na deles e eu na minha. Não passamos a vida na casa uns dos outros, mas há muita simpatia quando nos encontramos, por acaso, na rua, e ajuda, sempre que necessária, aparece de forma muito cordial. E, depois, há momentos de espontaneidade que tenho apreciado bastante. Eis algumas pequenas histórias que ilustram esta nossa dinâmica.

Convívio espontâneo

Há dias, ia eu despejar os lixos, mas pelo caminho da frente (não podia ir pelas traseiras porque a porta da sala que dá para o quintal tinha sido pintada e estava a secar), quando os meus vizinhos do canto da rua, arménios, e que estavam sentados no seu jardim da frente, meteram conversa comigo e convidaram-me a sentar com eles e a partilhar o queijo e a salada. Sei que acabei a despejar os sacos nos contentores destes meus vizinhos (o meu vizinho encarregou-se logo disso) e a ficar numa conversa de redor de mesa quase duas horas. Éramos 5 (3 arménios, uma portuguesa e uma venezuelana). À medida que a tarde findava, quieta nas suas horas de Verão, lembrei-me dos longas e serenas tardes de Estio da minha infância - do pátio onde os meus avós moravam e onde os vizinhos gostavam de se sentar em banquinhos, à frente das respectivas casas, a conversar, enquanto, nós, crianças, brincávamos por ali, entre aquelas paredes caiadas de branco, cobertas por flores e trepadeiras. De recordação em recordação, foi inevitável falar de Calouste Gulbenkian, esse arménio que nos deu o nosso verdadeiro Ministério da Cultura e da Ciência, dos jardins e museus da sua Fundação que tanto gosto, e onde ia, com muita frequência, quando estudava na Faculdade, lá ao pé. Soube bem este inesperado, este 5 à mesa, a alguns passos da nossa casa, com o meu marido a vir à rua, ao notar a minha demora, e a retirar-se, sem me chamar, mas já mais sossegado, ao observar a cena, uns quantos metros mais adiante.

Ajuda imediata

Há um mês e meio, vivi aqui um momento de maior aflição quando me preparava para dormir por volta das nove da noite. Depois de telefonar aos serviços de enfermagem domiciliária que me acompanhavam então e assim continuaram até há poucos dias, telefonei também à minha vizinha F., que é enfermeira num hospital da capital, a perguntar-lhe se podia passar por aqui. Embora a mãe dela estivesse cá de visita, vinda do Suriname, a F. veio imediatamente e só se foi embora quando fomos para o hospital em Amesterdão (e que não é aquele onde ela trabalha). Eu estava muito assustada nessa noite e a presença dela foi de um conforto e segurança muito importantes para mim e para nós. Mais tarde, disse-me que receou que eu não aguentasse e desmaiasse pelo caminho, tendo em conta o sangue que eu continuava a perder. Gosto muito da F. Vemo-nos, pouco, é certo, mas assim que lhe telefonei durante o meu primeiro internamento do mês de Maio,  a pedir que fosse ela a dar-me a injecção necessária na minha noite de regresso a casa, foi logo muito pronta (quando eu podia ter chamado a enfermeira domiciliária, uma vez que o hospital já tinha requisitado esse serviço). Na manhã seguinte, voltou de novo, sorrateiramente, para não me acordar, com um pratinho de frutos vermelhos (um pratinho de vitaminas, como ela disse), que deixou com o meu marido. Há dias, fui a casa dela, oferecer-lhe uma pequena travessa com tortas de Azeitão. Ela estava muito feliz por me ver bem melhor e acabámos na conversa, como o meu marido antecipara. A ver se um dia destes, vamos caminhar juntas aqui pelo bairro (sugestão dela). Entretanto, em exposição no aparador da sala, o postal de agradecimento que lhe tinha deixado na caixa do Correio.

Partilha da vida privada de forma espontânea

Há algumas semanas que tínhamos reparado que o carro do nosso vizinho D. não estava por aqui. O meu marido, mais atento a estas coisas que eu (sempre fui muito distraída), disse-me que desconfiava que os vizinhos (neste caso, holandeses) se tinham separado. Eu já tinha visto a M. e ela parecia-me bem. Por isso, a ter havido uma separação, calculei que tivesse sido amigável. Voltei a cruzar-me com a M. na rua, mas nunca lhe perguntei nada de mais específico (não é do meu feitio ser intrometida), mas indaguei se estava bem, como faço habitualmente. Até que, na tarde em que nos estávamos a despedir dos pintores que estiveram cá em casa, a pintar as portas, as janelas e a vedação do quintal, ela perguntou-me se eu estava satisfeita com o trabalho deles e ficámos mais um pouco à conversa. Foi aí que ela me contou, sem que eu estivesse à espera, que se tinha separado e iria divorciar-se. Gostei que a conversa tivesse surgido de forma espontânea e quando ela se sentiu preparada para falar no assunto. Gosto de respeitar o tempo psicológico de cada um. Desde que me saibam por perto e presente, isso é que importa. E como não a julguei (nem me competia), ela acabou por desabafar bastante. Por fim, disse-lhe que se fosse preciso alguma ajuda, era só tocar à campainha.

Situação inusitada espontânea

Já não me lembro por que razão fui tocar à campainha do M. e do J. (holandeses). Terei ido buscar uma caixa deixada pelos Correios com material de enfermagem enviada pela Mathot? Não me recordo. Sei que o M. atendeu e acabámos a conversar sobre os nossos estados de saúde. Geralmente, eles convidam-me a entrar (não muito habitual por estas paragens), mas, desta vez, acabámos, naturalmente, a conversar à porta (estava bom tempo, talvez por isso). Vai o M. não esteve com meias-medidas: " Vou baixar as calças para veres como o joelho ficou para dentro.". E ali ficou de boxers, à porta, à minha frente. ;-)) Contexto: nós temos a mesma idade, damo-nos bem enquanto vizinhos, e ele tinha sido operado há pouco tempo. Ah! E já agora, os boxers eram giríssimos! ;-))

Moral da história: podemos não andar na casa uns dos outros, mas damo-nos bem, com cordialidade e entreajuda, e isso, para mim, é o mais importante. Talvez ajude o facto de não vivermos num prédio - digo isto, porque nos nossos dois primeiros anos por estas bandas, vivemos num bloco de apartamentos e só conhecíamos os vizinhos do lado. Mas cada pessoa terá a sua experiência, como é óbvio...

16 comments:

João Menéres said...

Fico muito contente por te saber mesmo bem, Sandra !
E continuas com a tua escrita de que tanto gosto !

Um beijo amigo e sem intromissões.

APS said...

Contou histórias, e muito bem aliás (foi um gosto ler a sua "crónica"!), que se poderiam ter passado em Guimarães, aqui há 60 anos... Hoje creio que não. E em Lisboa, muito menos. Este tipo de solidariedade e entre-ajuda, em vizinhos, creio que desapareceu. Alguns, em prédios de mais de 4 ou 5 andares, nem se conhecem e mal se cumprimentam. É triste, mas é a realidade.
Continue a escrever assim.
Um bom resto de semana!

PNLima said...

Lê-se bem a diferença entre os holandeses ou quem por aí habita e o natural cusco português, que sabemos capaz de elaborar as mais "belas" histórias sobre quem mora no seu prédio/rua/aldeia.

Margarida Elias said...

Que engraçado! E que bom! Fico muito contente por ti. Acho que realmente os apartamentos trazem mais afastamento, não sei porquê. Muitos beijinhos!

Presépio no Canal said...


João,

Estou de facto muito melhor, mas "mesmo bem" só em Outubro saberei. Acredito que sim. ;-)
Já te disse que te acho um perfeito cavalheiro, como há poucos?
Beijinho, meu querido Amigo.

Presépio no Canal said...


Alberto,

Muito obrigada pelas suas palavras tão gentis e estimulantes.
Já tinha saudades de escrever estas pequenas crónicas, confesso.
Também notei o que diz, quando vivemos no primeiro apartamento que arrendámos em Lisboa. No segundo, já foi completamente diferente. Ainda há 2 anos, estas minhas vizinhas deram-me muito apoio num momento mais delicado que vivi por lá.
Forte abraço!

Presépio no Canal said...

Paula,

Vizinhos cuscos e inventores de histórias falsas são uma chatice. Muita vida vazia e frustrante, parece-me...
Beijinho!

Presépio no Canal said...


Margarida,

Obrigada, minha querida, pelo teu cuidado e generosidade. :-)

Talvez porque as pessoas se vejam menos, não sei...O cumprimentar ajuda. Pena que nem todos o façam.

Beijinhos!

MR said...

Pois não sei que diga. Quando eu era miúda, era assim, mas andávamos todos os dias na casa uns dos outros (os miúdos; os pais cumprimentavam-se e falavam mais ao telefone).
É mais fácil conhecermos os vizinhos se vivermos em moradias.
Eu não conheço a maioria dos meus vizinhos. Mas acho que isto tem a ver com as pessoas mudarem muito de casa, trabalharem todo o dia fora e só se encontrarem no elevador e por vezes na rua ou nalguma loja.
Tenho uma amiga umas portas ao lado, a quem posso recorrer se precisar.
Boa noite!

Presépio no Canal said...

MR,

É bom ter uma vizinha amiga a quem possamos recorrer (uma segurança, mesmo).
Os encontros, actualmente, são mais casuais, como diz. Também sinto isso por aqui. O que noto que ajuda muito é o facto de nos cumprimentarmos quando nos vemos na rua e às vezes ficarmos um bocadinho a conversar. E um café de esquina ou uma tabacaria era capaz de ajudar ainda mais. Mas aqui só há casas (as lojas ficam no centro da cidade).
Boa noite!

Isabel said...

Acho muito giro esse convívio , que aqui me parece mais difícil.
Vivi 11 anos num prédio com 4 apartamentos por andar, e com 9 andares. Pois nesses 11 anos não cheguei a conhecer mais de dez moradores, seguramente!

Aqui, como o prédio é mais pequeno, conheço toda a gente, mas passam-se meses e meses sem ver algumas pessoas. São os horários desencontrados e a vida demasiado ocupada de cada um, mas também o feitio das pessoas.

Percebi que esteve doente, mas que já está melhor. Ainda bem!

Beijinhos e boa semana:)

Presépio no Canal said...


Isabel,

Ter conhecido dez moradores num prédio tão grande já não foi nada mau. ;-)

Aqui também passamos muito tempo sem nos vermos, sobretudo no Inverno, que escurece cedo e com o frio já não apetece sair de casa. No Verão, janta-se mais no quintal, à hora do costume (18:00- 18:30), o que já propícia mais o contacto entre vizinhos. Isso e passear os cães. Ou pertencer ao grupo de vigilância preventiva do bairro.

Obrigada pelos seus votos. Ainda não totalmente recuperada, mas muito melhor, seguramente.

Beijinhos e boa semana! :-)

bea said...

Do que a Sandra vai contando percebo que a vizinhança é um pouco diferente da portuguesa. Por aí, parece-me haver certas normas e regras para tratar quintais e ruas do bairro que quase obrigam a conhecer os vizinhos. Em Portugal depende um tanto da natureza das pessoas e da sua educação. Mas há muita cusquice gratuita. Quando jovem, tive uma vizinha alentejana que me tratava melhor que família, deixava-me usar o seu frigorífico e devo-lhe muito. Não voltei a ter experiências de vizinhança tão agradável.

Rápido restabelecimento. O pior já passou. Também gostei das histórias que escreveu.

Sami said...

Espero que ja esteja a melhorar Sandra.
Ainda bem que tem vizinhos com quem pode contar, isso e mesmo bom!
Por acaso aqui onde vivo, apesar de viver numa casa ha 10 anos, pouca convivencia tenho com os vizinhos. Nao sei se a culpa e nossa ou deles, mas tenho pena, porque por vezes gostaria de poder pedir ajuda para dar de comer aos gatos por exemplo se for para fora, mas tenho q pedir a amigos que vivem perto para ca virem fazer.
Beijinhos e boa recuperacao.

Presépio no Canal said...

Bea,

A minha avó teve uma vizinha assim, que foi uma autêntica irmã para ela. Nunca a minha avó precisou de pedir fosse o que fosse, pois a Sra, a quem eu chamava de tia, tinha muita presença de espírito e aparecia logo nas aflições, pronta para ajudar. E sempre discreta. Uma verdadeira lady, como há poucas...E assim era a sua antiga vizinha, pelo que conta. Pessoas que nos marcam para sempre, diria.

Obrigada pelos seus votos. Bem preciso de umas tréguas...
Boa semana! :-)

Presépio no Canal said...

Sami,

Muito melhor agora se comparar com os meses passados, mas também porque tive equipas de primeira água a zelar por mim. Uma enorme dívida de gratidão é o que sinto, por mais que me digam que só fizeram o trabalho deles.
Compreendo a questão dos gatos. Ainda bem que tem esses amigos com os quais pode contar. Sempre fica mais descansada. Gente boa, que embora um pouco mais longe, ajuda com gosto. E a Sami merece gestos amigos assim.

Obrigada também pelos seus votos.

xoxo