A propósito deste meu post, onde manifestava que, para mim, não estava claro, face ao quadro das novas medidas legislativas, como iria ficar a situação dos idosos do futuro que, tal como nós, não têm filhos e por terem chegado aqui tardiamente, irão ter reformas/pensões mais pequenas, chegou-me um email da Ana F. van L., uma portuguesa a trabalhar na área do apoio aos idosos nos Países Baixos, a tranquilizar-me quanto às minhas dúvidas e apreensões. Recordam-se que vos disse, no mesmo post, que poderia estar a falhar-me alguma coisa devido ao meu domínio limitado de Neerlandês e, por isso, se alguém me pudesse dar informações mais rigorosas sobre o tema, estaria agradecida? Este é um dos aspectos positivos dos blogues: enviar pedidos de ajuda e obtê-la. Uma vez que haverá provavelmente por aí mais portugueses, tal como eu, com um domínio limitado de Neerlandês e, por isso, com mais dificuldades na compreensão das notícias, achei por bem - e com a concordância da Ana -, publicar um resumo das nossas conversas por email, àcerca deste tópico. À Ana, muito obrigada pelas informações prestadas.
Assim sendo, no que toca às
novas medidas legislativas sobre o apoio aos idosos:
Contexto Actual:
O sistema holandês de apoio aos idosos está em falência, verificando-se, por isso, uma necessidade de reformulação, a curto prazo, da sua arquitectura, assim como a introdução de medidas preventivas que permitam soluções sustentáveis. Neste momento, há toda uma reforma em curso para que todos os idosos possam usufruir de uma vida digna, e que passa por uma maior equidade de cuidados.
Objectivos da Actual Reforma:
Proteger quem não tem família e recursos financeiros, por forma a que possa viver uma velhice digna e, ao mesmo tempo, responsabilizar aqueles que se podem financiar, salvaguardando os dinheiros públicos para quem, de facto, deles necessita.
Situação Anterior:
Qualquer idoso podia solicitar ajuda nas mais variadas áreas (limpeza de casa, enfermagem, tempos livres, etc) à Câmara Municipal (departamento de Acção Social). O valor do pagamento dependia do escalão de IRS respectivo. No entanto, ao longo do tempo, constatou-se que havia situações de abuso por parte de cidadãos que, usufruindo de rendimentos elevados, tinham acesso aos serviços de apoio por uma taxa irrisória. Por exemplo: havia pessoas com rendimentos de 50 000 euros anuais ou mais que pagavam 25 euros por mês para a limpeza da casa. Esta foi uma das causas dos problemas com que o sistema se veio a deparar.
As Novas Medidas:
Todos podem pedir auxilio à Câmara, mas nem todos recebem o auxílio que pretendem.
Ex : Uma idosa que antigamente tinha
direito a 6 horas semanais de ajuda doméstica, pode, agora, ter só 4 ou 3, consoante a sua rede social de apoio, que poderá preencher as horas em falta. Nas Câmaras, a palavra de ordem é chamar as famílias à responsabilidade, caso seja necessário uma contribuição extra.
Neste momento, passou também a existir um limite/tecto de rendimento para atribuir os apoios: pessoa singular com rendimentos superiores a 25 000 euros anuais e casais com rendimentos superiores a 50 000 euros anuais.
No caso dos internamentos compulsivos de idosos nos lares, passam a ser necessários 3 pareceres médicos (em vez de 1) que o justifiquem, por forma a evitar que haja pessoas lá colocadas por outros motivos que não os de saúde, e a proteger ainda mais a vontade do próprio idoso, que não desejando e não necessitando de estar num lar, prefere estar num centro de dia ou ter uma dama de companhia.
Notas:
Tal como em Portugal, a negligência aos idosos nos Países Baixos não é considerada crime público. No entanto, nota-se um controlo social muito maior relativamente à forma como os familiares (sobretudo os filhos) cuidam e tratam dos seus idosos. Geralmente, quando alguém tem conhecimento de situações de maus tratos ou negligência a idosos, costuma apresentar queixa às autoridades competentes e os mecanismos legais entram logo em acção, havendo casos de providências cautelares contra familiares.
Neste momento, há uma enorme discussão sobre os cuidados prestados pelas famílias aos seus idosos - se, e o que deve ser obrigatório por lei ou não - dado não existir nenhuma lei que obrigue os filhos a tomar conta dos pais. Tal como em Portugal, essa prestação depende da boa vontade dos filhos. Na actual discussão, há pessoas que defendem que a existência dessa obrigação legal vai minar a relação afectiva entre pais e filhos, por se tratar de uma imposição, ao passo que outras acham que o livre arbítrio não dá resultado porque há muitos filhos que negligenciam os pais, quando têm meios e possibilidades para ajudá-los.
E eu, meus amigos, partilho da opinião do segundo grupo.