Thursday 18 July 2013

O Outro Lado da Moeda


Sempre que estou próxima de voltar a Portugal, sabendo que vou ter um pouco mais de tempo para interagir com as pessoas, vou-me preparando, mentalmente, para ajustar o meu comportamento, uma vez que se tratam de duas realidades bem diferentes entre si.

- Nos Países Baixos, cumprimentamos amigos e familiares com 3 beijinhos, e não com dois, como em Portugal. Ora, já tem acontecido, em terras lusas, preparar-me para dar o terceiro beijnho e acabar por "ficar pendurada"...;-)

- No nosso bairro (que é enorme), é habitual saudar quem passa, dar um sorriso e olhar  simpático,  independentemente de já nos conhecermos de vista e de sabermos os nomes uns dos outros, ou não. Já em Lisboa, de acordo com a minha experiência - vale o que vale - em contextos mais circunscritos, como elevadores ou átrios de prédios, desvia-se o olhar ou olha-se para baixo, a expressão facial é fechada (às vezes, carrancuda e arrogante) e muitas vezes, nem um cumprimento se escuta de quem chega, ou se obtém resposta àquele que se deu. Já sei, por isso, que vou precisar de ser mais... Como direi? Contida? Comedida?

- Assim como, as circunstâncias o exigindo, lá vou ter de me lembrar de tratar X e Y por "Sr. Prof. Dr.", "Dr.", "Eng.", em vez do nome próprio, como aqui, onde não é habitual tanta deferência. Por isso, se me enganar, não me levem a mal - não se trata de qualquer abuso de confiança da minha parte.

- De uma forma geral, nos Países Baixos, sempre que vamos a algum lado, seja ao cabeleireiro, à esteticista, ao banco, à empresa que tratou da hipoteca da casa, ao agente imobiliário, you name it, oferecem-nos um café, geralmente acompanhado de uma bolachinha. Ora bem, na última vez que fui a Portugal, dei com a minha postura corporal, em certas situações, a perguntar-se pelo cafezinho (na esteticista, no notário, etc). A cabeça a girar à procura da máquina, o olhar intrigado para a pessoa que me estava a atender, até que, segundos depois, reality check e ficar na "secura"...

- E também já sei que os meus olhos vão brilhar muito em certas situações.  Às vezes, sinto-me uma criança, num reino encantado, e dou comigo a desculpar - por atribuir a uma certa "falta de mundo" (para não dizer "estupidez", por não terem em conta as minhas circunstâncias durante o ano) - certos olhares mais complacentes e paternalistas, que nos dizem que parecemos parvinhos/tontos/saloios/whatever, por estarmos "a delirar" com coisas "tão insignificantes" como queijadinhas de leite, rissóis, bifanas, minis e frangos no churrasco. Mas, não há problema, coração de emigrante é grande...

- Tenho sempre a sensação que" os meus rins estão seguros". Não preciso de "dar um rim", como sinto frequentemente por aqui, para ir à cabeleireira, à manicure, jantar fora, beber um café (aqui já se paga € 2,25), etc...

- Há também aqueles momentos em que pensamos; "Epá, cheguei à civilização!". O café é BOM, a manicure sabe MESMO do seu ofício, há MUITA VARIEDADE de peixe e com fartura, posso fazer mil e uma coisas na caixa multibanco,...

- Assim como há aqueles momentos "Epá! Já não conheço nada disto!" e "Isto está tudo tão diferente!". Lembrem-se que não estou aí a acompanhar o que fecha, o que abre, etc.

- Não esperem que vá para aí e esteja sempre a falar mal de Portugal. Isto não quer dizer que eu não esteja informada sobre o que se passa ou não esteja preocupada. Mas é o meu país - que eu amo de paixão e do qual estou longe -, tenho saudades vossas, e também quero/preciso (emocionalmente, falando) trazer na bagagem de volta, momentos felizes que tenhamos passado juntos. Não, não estou a ser egoísta. É exactamente por já ter passado por dificuldades muito graves, que as palavras do Eugénio de Andrade,  "Procura a Maravilha", se tornaram, desde muito cedo, mandamento para mim. 

E, por fim, há aqueles momentos, em que é preciso "dar um desconto":

- É possível que eu peça um "expresso", quando quero dizer um café;

- É possível que tropece algumas vezes no passeio por já não estar habituada à calçada portuguesa;

- É possível que me saia, sem querer, uma expressão em holandês. Não é "para me armar" - já disse e reafirmo: o meu nível de holandês é básico -, mas preciso de tempo para me ajustar ao novo ambiente;

- É possível que haja momentos em que fique calada, a contemplar o que me rodeia. Não se passa nada de errado comigo. Só estou a aproveitar cada segundo da paisagem, do sol, do ar, para levar um bocadinho comigo, depois, na viagem de volta.


10 comments:

GL said...

Ora seja muito bem vinda! Tudo o resto? Nada é mais importante do que usufruir de tudo o que gosta, de matar saudades dessas coisas "pequeninas" mas tão importantes.

Ah! Cuidado com a calçada portuguesa. Linda, mas tão traiçoeira!

Beijinho.

Presépio no Canal said...

;-) Pode crer, quando aí chegar, é sempre abrir. ;-)) Aproveitar tudo o que temos de bom. Vou comer peixe como se não houvesse amanhã. Ainda falta um tempinho, mas estou desertinha...Se me vejo no nosso mar, OMG! :-))

Angela said...

Como tudo isto me soa familiar :)

Presépio no Canal said...

;-))

Margarida Elias said...

Acho que tens razão em tudo - eu queria era emigrar para aí... Aliás vou enviar-te um e-mail com umas perguntas. Bjns!

Sami said...

Mas que trecho bem escrito Sandra. Tudo volta a ser novidade para o visitante nao e?
O mais estranho para mim e que os Portugueses sao conhecidos como sendo pessoas simpaticas, mas depois de sair de la, tambem os acho carrancudos e fechados em si. Sera um sinal dos tempos dificeis que o pais atravessa? Boas ferias e divirta-se.

Presépio no Canal said...

:-)
Beijinhos e até já, então :-)

Presépio no Canal said...

Na província, sempre achei os portugueses bem mais simpáticos. Só tenho a dizer o melhor. Em Lisboa, depende das áreas e de outras variáveis. Mas os nortenhos têm um lugar cativo no meu coração. Tenho histórias muito bonitas passadas lá.
Mas também concordo consigo. A crise também terá os seus efeitos nas pessoas. Beijinho, Sami.

Teresa said...

- É possível que me saia, sem querer, uma expressão em holandês. Não é "para me armar" - já disse e reafirmo: o meu nível de holandês é básico -, mas preciso de tempo para me ajustar ao novo ambiente;

Pois é, sempre achei que os emigrantes que vinham de férias a falar francês ou outra língua qualquer eram um bando de parolos que se gostavam de armar em bons.
Agora, que cada vez que tento falar português e me sai um "yes" ou um "ja" ou quando não consigo arranjar uma tradução imediata para "afspraak" ou "dakkapel" vejo que não é bem assim.
Principalmente com uma criança que fala português mas que sem dúvida alguma tem como língua principal o holandês, se tiver que dar uma ordem para evitar uma situação perigosa para ele, vai-me sair um "Niet doen" ou um "Dat kan niet" mesmo que esteja em Portugal.

A lição que aprendi: não julgar os outros, principalmente sem conhecer a sua realidade.

Presépio no Canal said...

E, mais uma vez, disseste tudo, Teresa. É isso mesmo. ;-)
Beijinhos! :-)