No passado Domingo, dia 8
A aragem macia fazia-nos apetecer estar ali, entre as dunas, abandonados ao afago quente daquela tarde. Mais uma vez, fui encontrar-me com "o meu conversado" de todos os meus Verões neerlandeses, esse senhor, amante de uma longa corte, e que dá pelo nome de Mar do Norte. De mansinho, avancei nas suas águas, dando-lhe tempo, numa conquista suave, mas sem reservas...
Sim, fomos a banhos este Domingo. As temperaturas maravilhosas que se fizeram sentir este fim-de-semana levaram-nos à nossa praia neerlandesa de sempre, Katwijk aan Zee, embora a minha favorita entre todas seja Renesse, na Zelândia, mas para nós, mais longínqua.
Deixámos o carro no parque de estacionamento habitual, ao ar livre, que é gratuito ao Domingo. Seguimos em direcção ao café-restaurante de sempre, este ano mais alargado no espaço e com a decoração renovada. Não costumo entrar na praia, sem primeiro passar por lá, para um café, um sumo de laranja e um croquete de carne. Gosto de ir lanchada.
A praia tem agora uns protectores de vento maiores, cinzentos. Nós fomos mais adiante e ficámos numa quase clareira. O meu marido, a meu lado, aproveitou o embalo da aragem para dormir um bocadinho. No Sábado, tinha andado a limpar o quintal da frente, a retirar as altas ervas daninhas, deixadas pelas chuvas deste último Inverno. Eu só andei a varrer e por isso não estava tão cansada (não andei de cócoras, agachada, ao sol). Vi que ainda me ouviu dizer que ia à água e deixei-o a descansar.
O mar estava frio como de costume. Avancei só até à cintura, muito, muito devagar, e com paragens longas. Dei um sorriso. " Pensa que estás a fazer um tratamento de prevenção anti-varizes.", disse a mim mesma, enquanto tentava adaptar-me à temperatura.
À medida que avançava, vagarosamente, pela água, não pude deixar de reparar que, no raio que a minha vista alcançava, devia ser a única mulher na praia sem tatuagens. Não aprecio particularmente e nunca as faria por moda. Perto de nós, uma alemã tinha uma, discreta, próxima do umbigo. São as que ainda gosto de ver, as pequeninas e discretas, por exemplo, no tornozelo ou no pulso.
Voltei ao areal. E pensei nos meus amigos indianos, que viviam, até há bem pouco tempo, ali perto, em Haia, e foram agora para o Reino Unido. A S. e eu ainda nos conseguimos encontrar por duas vezes, antes da partida dela para terras de Sua Majestade, a Rainha Isabel II.
Fiquei com pena por perdermos o convívio, mas uma amizade verdadeira não é egoísta, e por isso, dei-lhe todo o meu apoio. Ao escutar os seus motivos, a decisão pareceu-me muito acertada: irão movimentar-se em Inglês (a língua em que foram educados na Índia), sem preocupações de aprender uma língua difícil como o Neerlandês, que seria importante numa perspectiva a médio-longo prazo, a decidir continuar aqui; por outro lado, com família no Reino Unido, a duas horas de carro do local para onde vão, o pequeno N. poderá conviver com os primos de vez em quando.
Admirei-lhe a coragem em partir, ainda sem casa na cidade onde vão trabalhar e com uma criança tão pequena. É certo que os primeiros dias, ainda livres, seriam passados em família, mas encontrar casa era urgente (é muito cansativo fazer 4 horas diárias de viagem, sobretudo porque uma criança de ano e meio precisa de ver e estar com os pais e estes com ela). Mas Viver a Vida com "V" também é isto: mudar, arriscar, sacrificar muitas vezes conforto e privacidade durante algum tempo, em busca de um bem maior, de um caminho a ganhar um pouco mais adiante. E que não passa exclusivamente por mudar de país. Há outras mudanças que também custam. Viajar na Vida é corrigir a nossa rota aqui e ali também. Muitas vezes, por vezes. Passar o Cabo das Tormentas para chamá-lo depois Cabo da Boa Esperança.
Tenho um grande carinho e respeito por esta minha amiga. No mês e meio que antecedeu a sua ida para o Reino Unido, conseguiu gerir emprego (trabalhando e vivendo em cidades diferentes), família (uma criança de um ano e meio), mobilidade (tinha vendido o carro há pouco tempo), a inesperada cirurgia do marido, o pós-operatório (que requeria cuidados e o impedia de movimentar-se, logo de empacotar coisas, ir ao supermercado e ao jardim de infância), e, em simultâneo, a preparação de uma mudança para outro país, sem ajudas familiares ou domésticas, tudo isto em 45 dias. A vida de expatriada requer muita força de espírito, sobretudo nos momentos mais difíceis. Gosto muito da S. Mesmo a mil, sempre atenta aos amigos (vi por mim). Uma mulher de fibra, admirável. Discreta e com grande presença de espírito, qualidades que já vão rareando.
Quase ao mesmo tempo, os nossos amigos M. e I. deixaram Zeist e mudaram-se para Amersfoort, ficando agora um pouco mais próximos de nós. O meu marido ajudou-os na mudança. É comum, por cá, alugarmos uma carrinha e chamar os amigos para ajudar a carregar e a descarregar os móveis. O I. também foi um dos amigos que nos ajudou a trazer os móveis de volta, quando estucámos esta casa. Queríamos que as paredes ficassem lisas e suaves como estávamos habituados em Portugal e não como é comum por aqui, de aspecto rugoso e áspero ao toque.
Abro os olhos devagarinho. A tarde continuava lânguida e tinha-me deixado ir com ela. O sol queimava a minha perna esquerda e reparo que tenho um ligeiro escaldão. Há anos que isto não me acontecia. Ainda estremunhada, volto a pôr protector solar. E a dormitar...Ou a meditar, talvez, indo parar a uma certa tarde muito divertida com a M., há pouco tempo, em Utreque, a cidade onde nos conhecemos.
A M. quis oferecer-me um almoço num restaurante chinês muito bom, aberto recentemente. Ela é indonésia e isso significa mesa farta (sempre que vamos a casa dela, venho de lá mais cheiinha). Vai daí, a minha amiga mandou vir vários pratos. Tive de pedir que parasse, pois já não consigo comer tanto de uma só vez. Conversámos imenso nessa tarde (sim, tivemos alguns momentos mais sérios, no meio de tanta galhofa). Neste momento, ela quer desacelerar em termos de trabalho e dedicar-se mais aos filhos. Uma decisão que implica custos a nível financeiro e de carreira, mas que sente como o caminho certo a seguir. Só lhe disse para nunca perder aquele riso resplandecente. Que o importante é que esteja bem e feliz com as suas decisões e as tome, sabendo que irá lidar bem com os ajustamentos, cedências e abdicações que qualquer decisão implica. E isso, ela tem sabido até à data. É das pessoas mais lúcidas que conheço, uma excelente mãe, óptima pedagoga. Gosto muito de observá-la a educar os filhos.
Volto novamente ao areal. Vejo as horas, mas nem precisava. Olhando à volta, já muitos se foram embora (janta-se cedo, por aqui). Gralhas e gaivotas passeiam próximo de nós.
Ainda fotografo uma em pleno vôo.
Vejo também que tenho um sms de uma outra S., também ela indiana, também ela a viver em Haia. Tinha estado numa festa de aniversário nesse dia e ficou combinado que nos encontraremos numa próxima ida a Haia.
Apetecia ficar mais tempo - gosto de sair da praia por volta das oito e meia, mas o meu marido ainda não tinha lanchado (para a próxima, levo fruta) e resolvemos ir embora, jantar. Rumámos a Amsterdam, a pensar se teríamos sorte em conseguir mesa no Momo. Nunca reservamos, mas conseguimos sempre...Chegados lá, estava pouca gente para o que é habitual encontrarmos. Isso queria dizer que o dia continuaria ali, como gostamos de vez em quando, quando voltamos da praia, rendidos aos raios de sol pelo chão e àqueles deliciosos sushi's e Martini Lichee's que eles sabem preparar tão bem
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